15. A presença da língua polonesa na Região Sul do Brasil

Coordenadora: Myrna Estella Iachinski Mendes (UFRGS)

A legitimação da presença das línguas eslavas no contexto do Sul brasileiro já é compreendida pelo de estudos publicados e discutidos em simpósios linguísticos, ou seja, existem falantes de línguas eslavas no Brasil. E, com base nesse cenário, temos como foco descrever as questões teóricas que discorrem sobre os fatores que levam à presença ou não de línguas, refletindo sobre as línguas como parte de um repertório de escolhas linguísticas. Portanto, interpretar por que a língua materna, algumas vezes, passa a ser considerada uma língua esquecida, substituída e também não mais usada é de suma importância para uma pesquisa da natureza sociolinguística.

Para Fishman (2006) a relação entre a língua materna e o indivíduo é o resultado de transmissão sociocultural e de experiências ao longo da história econômica e política, com isso, o autor leva-nos à compreensão de que uma nação não é monolíngue em sua origem. Mas, em controvérsia, temos a seguinte questão: como compreender que essas experiências sociais são garantias para que falantes não deixem de falar sua língua materna, sabendo que há contatos com outras línguas? Afirmamos que essas experiências contribuem para que uma nação torne-se monolíngue sim, porém, elas não são garantias de que uma língua mantenha sua vitalidade, sua presença diante de outras línguas. Contudo, é preciso compreender como ocorrem os processos que levam ao bilinguismo, ao multilinguismo ou aos processos bilíngues (language shift), sejam os diglóssicos e ou seus desdobramentos (FERGUSON, 1959; FISHMAN, 2006), relativos à representatividade dos eventos de fala que se encontraram nas circunstâncias de migração.

O pesquisador Myusken (2013), na mesma perspectiva de Fishman (2006), fundamenta sobre o cenário e representatividade das línguas quando em contato com outras línguas. Ou seja, afirmando que, as línguas não são vazias, sozinhas ou únicas, elas ocorrem no contexto com a interação entre pessoas, grupos sociais que influenciam e são influenciados por línguas de outros grupos também. Visto dessa forma, não teríamos apenas falantes de apenas uma língua, mas falantes bilíngues, plurilíngues e ou multilíngues. Porém, ao contemplarmos o cenário histórico, observamos que isso não ocorre tranquilamente, ou seja, a substituição de uma língua por outra nem sempre foi pacífica.

Ao focar nas línguas eslavas, como nas demais línguas de imigrantes no cenário brasileiro, as escolhas linguísticas nem sempre foram ordeiras. As questões político-sociais e históricas dos povos eslavos em especial os poloneses são o retrato de muitas lutas e escolhas que os levaram, na maioria das vezes, a deixar de falar na sua língua para usar a língua de poder social. Por sua vez, tanto as eslavas como as demais línguas de imigrantes são resultados de interação com outras línguas no solo brasileiro, e, que por fatores específicos, a interação mediou o seu contexto social e consequentemente a sua escolha linguística. Levando-os, muitas vezes, optar por uma língua de maior prestígio nos quais os grupos estavam inseridos.

Em outro contexto no território brasileiro, as línguas eslavas podem ser consideradas como “línguas marginais”, expressão tomada que designa “[...] línguas em contato na perspectiva de seu status sócio-político, justamente por exprimir essa condição de inoficialidade uma língua falada ‘margem’ da língua oficial [...]” (ALTENHOFEN, 2014, p. 70-71).

As línguas eslavas também estão à ‘margem’ de outras línguas, tanto minoritárias – nesse caso, outras línguas de imigrante – quanto à língua majoritária, no caso do Brasil, a língua portuguesa. Quando falamos de línguas em contato, refletimos sobre os espaços linguísticos no que se refere à identidade dos falantes. E sabemos também que não é apenas a identidade étnico-cultural que garante aos falantes de uma língua marginalizada a possibilidade de manter sua língua. Outros fatores são relevantes para que se preserve e fortaleça uma língua nas comunidades linguísticas.

Para os falantes das línguas eslavas, ao determinarem o espaço o qual fazem a escolha de permanência, isto é, local no qual a comunidade se instala e se abriga, a preferência linguística pode ser modificada de acordo com o novo território explorado, ou seja, resultado de uma nova ocupação planejada ou não. Assim, no contexto do Sul brasileiro, em especial no sudoeste do Paraná, a presença da língua polonesa e demais línguas de imigrantes serviu como referência e suporte para as escolhas linguísticas e de territorialidade. Isso quer dizer, o território ocupado e constituído de territorialidades diferentes, línguas de grupos de falantes díspares e distintas variedades linguísticas que podem ocupar o mesmo espaço geográfico e determinar se sua língua será língua majoritária ou minoritária. A língua polonesa e ou línguas eslavas, passaram também pelos processos diglóssicos. Ferguson (1959) define diglossia como separação funcional entre duas variedades de uma mesma língua: alto e baixo prestígio (H(igh) language e L(ow) language). Desse modo, o valor da língua está depositado na sua capacidade de representar e organizar esse sistema de acordo com determinadas situações de contexto social, como uso em casa, escola, trabalho etc. Assim, falantes decidem como usar essa língua e se ela vai pertencer à variedade de H ou L. Desse modo, em algumas comunidades linguísticas a variedade não padrão pode prevalecer sobre a variedade padrão. Dentro dessas características a língua materna e/ou língua de imigrantes, ou também minoritária, pode ser considerada como língua de prestígio, dependendo de como ela circula e se fortalece na comunidade. Fishman (1967) aponta que diglossia e bilinguismo podem ocorrer tanto numa variedade H quanto L. As atitudes, o comportamento e os valores são expressos numa língua ou em outra língua e são legitimamente reconhecidos pelos falantes. Essas são características do processo bilíngue que ocorreu com o polonês e as demais línguas durante a imigração para o Brasil. A língua desempenha papel fundamental na construção linguística do indivíduo. É a língua materna que exclui ou inclui o falante identificando a sua cultura a sua variedade. A realidade brasileira apesar do contexto plurilíngue, como já citado, ainda se caracteriza por ser monolíngue levando o falante a crer, muitas vezes, que sua língua deve ser excluída, justamente por falta de uma ideologia de educação bilíngue. Identificamos como porta de entrada na região Sul do Brasil a chegada dos imigrantes eslavos a partir da segunda metade do século XIX, no estado do Rio Grande do Sul em Santa Catarina, precisamente na década de 1890. No Sudoeste do Paraná, a onda migratória dos colonos poloneses iniciou a partir de 1920. No ponto de pesquisa Francisco Beltrão PR, os imigrantes eslavos chegaram por volta de 1950 vindo do Rio Grande do Sul. Notamos as datas dispares no ponto de pesquisa e momentos históricos distintos os quais podem ter influenciado nos fatores que levam à vitalidade, a presença e também a perda da língua polonesa no sudoeste do Paraná. Dispomos como base a tabela demonstrativa de Gluchowski (2005) e observamos toda a topodinâmica de migração dos poloneses no Brasil e consequentemente na Região Sul do Brasil até o ano de 1914. Tabela 3 – Demonstrativo da imigração polonesa para o Brasil – período 1871-1914 Localização Até 1889 1890-1894 1895-1900 1900-1914 Total PR 6.530 14.286 6.100 14.730 41.646 RS 300 27.000 - 7.000 34.300 SP - 13.500 - - 13.500 SC 750 5.000 - 1000 6.750 Outros estados 500 5.000 500 2.000 8.000 Total 8.080 64.786 6.600 24.730 104.196 Fonte: Gluchowski (2005, p. 45). Os números representados na Tabela 4 nos informam aproximadamente os poloneses que vieram principalmente para os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Em contrapartida, observamos que o estado de São Paulo também recebeu uma grande representatividade de poloneses, no total de 13.500 imigrantes o qual a soma representa um número maior do que o total de imigrantes no estado de Santa Catarina o qual tem por histórico ser um dos berços da imigração polonesa no Brasil (GOULART, 1984). Observamos também na tabela a seguir a presença de outros povos eslavos, os ucranianos. Tabela 4 – Demonstrativo da imigração ucraniana no Brasil – período 1895-1914 Localização 1895-1900 1900-1914 Total PR 17.045 13.550 30.595 Outros estados 500 1.000 1.500 Total 17.545 14.550 32.095 Fonte: Gluchowski (2005, p. 46). Essa tabela refere-se à vinda dos ucranianos para o Brasil. Sabemos que o Paraná foi o local o qual recebeu o maior número de imigrantes ucranianos e ainda é o ponto de referência para as pesquisas, tanto pela cultura como pela presença da língua no País. Enquanto que, nos anos de 1900 a 1914, nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina houve um hiato na vinda de imigrantes poloneses, no Paraná e nos demais estados, a vinda de imigrantes poloneses e ucranianos não foi interrompida. O maior número de imigrantes ucranianos que aportaram foi no estado do Paraná, 13.550 ucranianos e em outros estados em torno de 1.000 desses imigrantes. Portanto, a presença das línguas eslavas por meio desses dados concentra-se em maior escala e número nos estados da Região Sul do Brasil, sendo essa uma das justificativas para compreender sobre a presença das línguas nesse contexto Sul brasileiro por meio deste estudo, pois as línguas eslavas fazem parte das comunidades falantes dessas línguas. É a partir dessa contextualização que delimitamos um cenário para a presença da língua polonesa no sudoeste do Paraná. A migração para outras localidades nas regiões do Sul do Brasil oportuniza aos migrantes das línguas eslavas estarem em contato com outras línguas de migrantes e também a língua portuguesa, oficial do Brasil. Essas línguas, por sua vez, levam à perda ou à substituição da sua língua como fenômeno característico durante o contato com outras línguas. No caso do polonês, segundo Gluchowski (2005), a perda do polonismo, do uso da língua polonesa, deu-se principalmente com o público jovem, o qual, nas comunidades polonesas, deixava de falar a sua língua para falar o português. Portanto, por meio da memória dos imigrantes eslavos que se fortalece a língua, a cultura, seus costumes e práticas culturais são passadas de geração para geração e algumas, de certa forma, são preservadas ou são substituídas por outra base cultural e referencial levando ao não uso da sua língua materna. Para alcançar maior exatidão há pesquisas sociolinguísticas que buscam catalogar e registrar língua e falantes quantitativamente. No que se refere à presença de poloneses no Brasil, Ferreira (2019), na sua dissertação, argumenta a pouca expressividade do uso da língua e com base nos dados do IBGE, de 2000, no qual apenas 3% da representatividade dos poloneses em relação aos povos de línguas românicas durante o período da onda migratória a partir do século XIX falam na língua . Os grandes fornecedores de migrantes para região sudoeste e especificamente Francisco Beltrão foi o Estado do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Em 1953 precisamente, um grupo de migrantes poloneses chegou à região, a maioria do Rio Grande do Sul. Eram em torno de 30 famílias e alocaram-se no interior do município. Como o acesso era difícil, logo começaram abrir “picadas”, com o auxílio de ferramentas manuais e se instalaram na comunidade conhecida hoje como, Secção Progresso e depois de um ano, construíram a primeira escola, três casas de comércio e uma serraria. O nome do local se deu pelo fato de progredir e pelo grande número de casas que foram sendo construídas pelos colonizadores. Como não havia igreja antes, os moradores da Secção Progresso participavam na comunidade vizinha chamada de Secção Jacaré, uma comunidade italiana e lá participavam dos eventos ecumênicos, festividades e missas. Logo depois resolveram construir um barracão para a realização das missas e reunirem-se para festejar. Apenas no ano de 1997 segundo relatos dos moradores, a Comunidade começou a ser chamada “carinhosamente de Comunidade Polonesa”, pois as pesquisas realizadas pela prefeitura municipal comprovaram o maior número de migrantes de origem polonesa. A comunidade começou a promover uma festa cultural polonesa junto com o Projeto “Nossas Raízes”, instituído pelo Departamento de Cultura da Prefeitura Municipal de Francisco Beltrão, chamada de “Poslky festyn”. Assim, confirmamos a presença de poloneses, nesta comunidade. Porém, também a comunidade foi colonizada por italianos alemães e ucranianos em número menor, os quais igualmente colonizaram o município de Francisco Beltrão e hoje há maior número de ucranianos no bairro Guanabara junto à Cango, o bairro o qual fundou o município. A comunidade ucraniana realiza missas quinzenais, o rito ocorre tanto na língua ucraniana, quanto na língua portuguesa, alternando o uso durante a cerimônia do culto. O que nos chama atenção não apenas no ponto pesquisado são as manifestações culturais das etnias que prevalecem e dão ênfase para danças, comidas, músicas, entre outros, porém a língua é parte desses movimentos e aparecem como traços linguísticos-discursivos constituídos no sujeito. Ou seja, Observamos que geralmente a língua está presente na paisagem linguística, nas manifestações culturais, como o nome dos alimentos, das danças, as cantigas, fruto da memória social dos imigrantes que aqui se constituíram. A língua é parte constituída da identidade, da memória, mas compreendemos que muitos fatores levam as comunidades linguísticas deixarem de falar na sua língua materna, uma delas está relacionado à influência da língua majoritária a qual leva a perda da língua materna.